14 de JANEIRO (quarta):
Saímos de Parnaíba no mesmo horário diurno, da barraca do Seu Nonato. Mais um pneu trocado...mais um sono acumulado, mais uma vontade adiante...
No caminho, a passagem pelo rio Parnaíba, fronteiriço com o Maranhão...a ponte, singela, tampava sutilmente um rio largo e com pequena população ribeirinha...Ali, portanto, a divisa entre os dois estados...do lado de lá, uma nova população se iniciava, com aparência mais pobre nas suas casas e terrenos, estradas esburacadas, sem acostamento e com previsões de sobe-desce, que se confirmaram até a chegada em Tutóia, paradeiro noturno seguinte...
Então, entre uma água e outra, conversamos pouco com as pessoas de beira de estrada, pois havia pouca "beira", tampouco "eira"...afinal, era um trecho de cimento rasgando a mata que trazia novas árvores, mais latifoliadas, fartas, fechadas e úmidas...impressionante o trecho que tivemos de percorrer sem possibilidade de parada. Finalizamos a manhã com 70km de pedalada, pois, não havia onde parar...problema para os que ali sempre transitam, sem acostamento, recuo ou posto de parada...paramos, então, em Canabrava, povoado longinquo dos centros mais populosos...famintos e sedentos, pedimos, em plenas 10h40min, um PF: "manda arroz e feijão pros meninos!" Tivemos de esperar até as 11h30, quando atacamos o rango, dispensamos as bicicletas ao redor do coreto e nos esparramamos, junto ao calor e às moscas, no chão desse círculo...acordando às 15h, partimos...chegamos em Tutoia às 17h. Contatada - como dos poucos conhecidos que teríamos na viagem, Nazaré - militante local e regional nos DH - recebeu-nos e nos conduziu até sua casa, dividida com sua filha graciosa Morgana e sua mãe Domingas, contadora de causos de boa simpatia...ali, criam galinhas e galos e dizem com orgulho que se alimentam dessa carne somente extraída de sua granja: "Não compramos frango de fora, não, só comemos daqui"...
(Rio Parnaíba - divisa PI - MA)
15 de JANEIRO
roupa esfregada e em seca, acordamos cedo pra conhecer a cidade e perguntar sobre horário de partida para Barreirinhas, pelas chamadas "Toyotas", espécie de pau-de-arara mais moderno, com banco, na maior parte das vezes, acolchoados....o único horário: 9h. então, todos frustrados - especialmente Nazaré e Morgana, criança curiosa pela troca que juntos, estabelecíamos naquele dia -, tivemos de ir e não percorremos nada mais que 3 quadras do centro...às pressas, entramos na toyota e seguimos viagem, sem saber que o melhor acesso para os lençóis maranhenses e para o Delta do Parnaíba (Delta das Américas) seria de Tutóia...escala: cidade de Paulino Neves. Chegada, no almoço: Barreirinhas (84km no total)...nesse caminho, encontramos povoados com casas nas areias nômades, criações de porcos escuros (quase pretos), cachorros, e a pergunta: como matam sua sede, morando ao lado das dunas, com rios secos? Além disso, árvores da fruta Murici e um aeroporto pequeno funcionando e outro praticamente pronto...dizem que seria internacional...
ficamos na casa de Marie France, Vale e seus filhos: Luciano (10), Flávio (8) e Sílvio (3)...Vale não estava...Marie, enfermeira obstetra, articulada com E-changer, instituição suiça voltada à cooperação internacional, com seu doce sotaque, acolheu-nos e mostrou a garra de viver com outro olhar de nascença (Suiça), porém, com comum olhar de vivência no interior do Maranhão.
Almoçamos, relaxamos, saímos pela noite na pracinha, com a família...pra esse passeio, demos um acerto nas bicicletas das crianças, que, assim, animaram-se em seguir para o centro...usam tanto as bicicletas que os dois mais velhos vão sós pra escola pedalando...
tomamos, pela primeira vez, o Guaraná Jesus, de cor rosada, com sabor de guaraná, misturado com tuti-fruti...as boas línguas locais dizem que é restrito ao Maranhão, desenvolvido em Pedrinhas, próximo de S. Luis, orgulho regional e resistente às grandes marcas, pois vendia mais que Coca Cola, que, vendo a cena, comprou Jesus (até Ele a Coca compra)...enfim...resolvemos aderir e gostamos da gasosa...
Barreirinhas, que tem inclusive sua Academia de Letras Barreirinhense (ALB), fica na base do rio Preguiças, que assim é chamado ou porque na região havia muitos bicho-preguiças...ou porque seu curso é bastante tortuoso, demonstrando certa preguiça em apresentar sua foz...uma das festas tradicionais é a festa de São Gonçalo, em que as moças solteiras fazem a dança circular e toda a população se mantém na espreita, apreciando, especialmente os rapazes...em seguida, a roda se abre e todos bailam...
(placa em praça de Barreirinhas)
16 DE JANEIRO
Verificada a melhor opção de passeio, resolvemos tomar a Toyota que leva para os início dos Lençois...secos, os lençois apresentavam quase somente dunas enormes, em cuja crista se via quilômetros de areia em toda circunferência que os olhos faziam...adiante, chegamos à Lagoa do Peixe, em que mergulhamos e, de fato, encontramos peixes, mesmo sabendo que a lagoa se forma durante o ano e só com aguá da chuva...
Almoçados, direito à rede...esperamos o horário de saída do busão pra S Luís...sim, sim, decidimos ganhar o trecho de 260km até a capital, para aproveita-la durante o final de semana, e descansar mais um dia...afinal, somos filhos de Jesus, pra sempre...
a diplomacia entre ciclistas e motoristas de onibus de viagem nunca é muito boa, ainda mais quando aqueles chegam pontualmente para encher o bagageiro...ocorreu um atraso natural na saída...3 horas depois: São Luís do Maranhão!
Ariadne nos recebe no início da cidade e seguimos, em comboio, sem carro...ela: advogada do Centro de Defesa Marcos Passerini, sediado na capital...bela e articulada pessoa, perspicaz no seu vocabulário e na concordância verbal, que faz juz à fama de que o sotaque maranhense é o mais apurado do Brasil...banho correndo para ganhar a noite no Reviver, projeto cultural de vivência no centro historico ludovicense...ali, o Tambor de Crioula arrepiava...seguimos para o Roots espaço tradicional do Reggae nativo, na irmandade com a Jamaica...fino e categórico, esguio, fiel à musicalidade e sensualidade caribenha, com novo formato: a maranhensidade regueira.
Ambiente escuro e altamente sonoro...coberto como uma quadra de escola de samba...mais quente que as estradas do sertão cearense...as primeiras cervejas desceram como água do deserto...depois, o cachorro-quente do Souza, tradição da militância aguerrida: "dizer que é do movimento, tem que comer no Souza"...
17 de JANEIRO
Sábado, dia livre, programação intensa, Reviver de dia...lojas para lembrancinhas...almoço num simples restaurante com peixe ao molho...voltas na cidade para digestão: Largo dos Amores (casais de namorados vão para lá, namorar nos bancos)
mirante da Lagoa (da Jansen...Ana Jansen foi das primeiras mulheres com poder patrimonial a determinar a política local, amada e odiada...)
e a Fonte das Pedras: construção abaixo do nivel do chão com um paredão e 3 janelas cerradas com grades e cadeado...há um tunel que termina em outro paredão, centenas de metros adiante, na região onde desembarcavam os franceses para dominar o território no início do sec XVII, para serem derrotados de surpresa, pelos portugueses liderados por Jeronimo de Albuquerque...em 1615, os franceses derrotados...a França Equinocial não iria pra frente...fecharam-se as portas do tunel e disseram que lá moraria uma serpente adormecida que, se acordar, afundará a Ilha Rebelde...assim, alimenta-se a lenda da Serpente, como mais um elemento folclórico...
mais um na parada: grande Chico Lemos, também do Centro de Defesa e professor universitário...não bebe cerveja, só toma caipiroska,cicerone de primeira linha, só cansa quando da alvorada... encontramo-nos no "Clube do Choro Recebe", que convida expressões novas e antigas da musica popular brasileira...chorões começaram pra dizer pra que vieram...surpresas maranhenses...um mestre de cerimônia Ricart, sociologo e estudioso da musica brasileira, disse do programa aos domingos (9h), sobre o choro, na radio universitaria 106.9, também acessada via internet...
Depois, mais reggae!!! mais positividade..."quero botar um...vamos botar um...deixa eu botar um...sentimento no seu coração"...no bar do Nelson esticamos a noite...um tanto cansados, um tanto curiosos por esse reggae que, aqui, se dança sem pular e de casalsinho...belo!
18 DE JANEIRO
Ansiosos pela chegada de Roberta, acordamos e a buscamos no aeroporto...mais uma integrante para o grupo...almoço de caldo de Sururu em destaque...Jesus sempre presente na mesa...
Voltas na cidade...reviver o Reviver...pizza como poucas em São Paulo, nossa terra...mais Reggae, afinal, "deixa eu botar um...sentimento no seu coração"...rumo ao Chama-maré, nome que dão aos mini-caranguejos de uma garra só, que ficam nas pedras na maré baixa, chamando-a para subir novamente...
19 de JANEIRO
Deixamos aquele preparo nas magrelas, na bicicletaria próxima...passada no roteiro...
Conhecida Nelma, tambem do Centro de Defesa, quem nos indicou Nazaré em Tutoia e outros paradeiros pós- São Luís...
Volta e conhecer o Centro de Defesa...
Temos conversado mais ainda sobre o assunto FSM...quanto mais próximos do territorio e do dia, mais gente falando do assunto...coincidência de ritmos e comportamentos...olhares de um melhorando os olhares dos outros...olhares trocando, mesmo que pela tela do computador...olhares enxergando pelos olhos dos outros...
Pensamos em nos aliar a algum movimento ciclista no FSM, portanto, se souberem dessa programação sobres duas rodas, gritem...
Alguns do caminho encontraremos lá...
O Maranhão, estado nordestino mais amazônico, é terra distinta pela sua vegetação, musicalidade, comida e humor do povo...nem mais nem menos gracioso e acolhedor do que os demais estados pelos quais passamos...curiosidade: até agora, em 7 dias maranhenses, estamos sendo recebidos por Mulheres, como anfitriãs: "O Maranhão tem histórias de resistências política com muitas mulheres na liderança", disse Nelma...e, de fato, as mulheres estão liderando a acolhida nesse estado...
aBRaços
Daniel, Cadu, Rodrigo e Roberta
ôs menino...some assim não uai!
ResponderExcluirRô, vc chegou direitinho aí!! que bom!!
ó, um presetinho de um outro que melhora o nosso olhar com o olhar dele ... assim que nem vcs estão fazendo com os nossos, ao contarem destas veredas de miúdas flores e grandes gentes.
Tocando em Frente
Almir Sater
Composição: Almir Sater e Renato Teixeira
Ando devagar porque já tive pressa
E levo esse sorriso porque já chorei demais
Hoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabe
Só levo a certeza de que muito pouco eu sei
Ou nada sei
Conhecer as manhas e as manhãs,
O sabor das massas e das maçãs,
É preciso amor pra poder pulsar,
É preciso paz pra poder seguir,
É preciso a chuva para florir
Penso que cumprir a vida seja simplesmente
Compreender a marcha e ir tocando em frente
Como um velho boiadeiro levando a boiada
Eu vou tocando dias pela longa estrada eu vou
Estrada eu sou
Conhecer as manhas e as manhãs,
O sabor das massas e das maçãs,
É preciso amor pra poder pulsar,
É preciso paz pra poder seguir,
É preciso a chuva para florir
Todo mundo ama um dia todo mundo chora,
Um dia a gente chega, no outro vai embora
Cada um de nós compõe a sua história
Cada ser em si carrega o dom de ser capaz
E ser feliz
Conhecer as manhas e as manhãs
O sabor das massas e das maçãs
É preciso amor pra poder pulsar,
É preciso paz pra poder seguir,
É preciso a chuva para florir
Ando devagar porque já tive pressa
E levo esse sorriso porque já chorei demais
Cada um de nós compõe a sua história,
Cada ser em si carrega o dom de ser capaz
E ser feliz
Olá meninos e agora com a menina que faltava. Que bela viagem. E já está quase acabando.
ResponderExcluirBeijos!!!!
Não os vi parti,
ResponderExcluirMas pela manha, qd o sol invadiu a casa, o vazio anuciou que a aventura em duas rodas tinha sido retomada. Pelo horário, deduzi que estavam sobre o mar, sob os guarás...
Boa viagem amigos. Sentiremos falta dessa mansidão irreverente que emana de seus olhos, de suas vozes... não tardem voltar... xero no coração de cada um!!!
eita coisa boa, que enche os olhos e o coração andar com vocês por esses caminhos rodados em duas rodas...
ResponderExcluire inspirada por outra viajante dessas linhas virtuais, a já companheira Liliane, envio mais um presentinho daquele que também faz melhorar o olhar da gente: Gonzaguinha
Caminhos do Coração
Há muito tempo que eu saí de casa
Há muito tempo que eu caí na estrada
Há muito tempo que eu estou na vida
Foi assim que eu quis, e assim eu sou feliz
Principalmente por poder voltar
A todos os lugares onde já cheguei
Pois lá deixei um prato de comida
Um abraço amigo, um canto prá dormir e sonhar
E aprendi que se depende sempre
De tanta, muita, diferente gente
Toda pessoa sempre é as marcas
Das lições diárias de outras tantas pessoas
E é tão bonito quando a gente entende
Que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá
E é tão bonito quando a gente sente
Que nunca está sozinho por mais que pense estar
É tão bonito quando a gente pisa firme
Nessas linhas que estão nas palmas de nossas mãos
É tão bonito quando a gente vai à vida
Nos caminhos onde bate, bem mais forte o coração
E aprendi ...
Isso aó galera, encontrovcs em Belém! Eu sou careta, parto de avião no dia 26. Vamos bater um papo com tacacá por lá! Abraços.
ResponderExcluirJaburu, avoe bem baixinho pro sol não maltratar; fuja dos praiá se desconfiar.
ResponderExcluirVê se volta, vê se não esquece nesse seu caminho, tem gente aqui, gritando bem baixinho,
torcendo pra um dia você voltar pro seu ninho, Jaburu.
Vê se um dia sente saudades, só por consideração, não tem muiraquitã nem mandinga que te espante a solidão...
"quem tem saudades não está sozinho...tem o carinho da recordação"...
fala rapaziada!Abrazos cuzqueños noceis!!!Chego em belém com algumas semanas de atraso, mas é nóis...
ResponderExcluirAbrazos
Raul
Ei gente!
ResponderExcluiros bonecos já estão embalados, todos os badulaques para as intervenções organizados, sr. Walter contactado para nos levar até a UMM.
Daqui a pouco partiremos rumo ao Forum também!
Beijos
Senhores,
ResponderExcluirCá estou eu, domingão na casa da sogra viajando em sonhos pelas estradas com o pensamento em vocês. Curtam cada momento mágico e mantenham-se firmes nessa jornada. Força em cada metro pedalado e apreciem as obras do grande arquiteto do Universo que revela na terra e nos homens um pinguinho de seu pincel.
Grande abraço
Will de corãção